Crônica,  Literatura

DUELO DOS INDECENTES

Certa feita, em furtiva e despretensiosa conversa, Luiz Chimicatti, meu irmão e colega de profissão, afeito à ciência do direito penal, saca da cartola a seguinte questão: qual seria a natureza jurídica do duelo?
Intrigado com a proposta de reflexão, de chofre, me antepus à resposta, sob o argumento de que não de se poderia pensar juridicamente sobre fato da vida que não encontrasse proteção do direito e que se diz ante-jurídico de nascença!
Ora, é de sabença notória que o duelo é um meio de que duas pessoas se valem para, reciprocamente, praticarem crime de homicídio, indubitavelmente, doloso, eis que é da essência dessa biunívoca disfunção social, a vontade preordenada e combinada de um assassinar o outro e vice-versa, mas sempre mantida a recíproca esperança de, a honra de um poder ser lavada com o sangue do outro!
Pois bem, mais do que intrigante, me fez a discussão apresentar um arsenal de institutos jurídicos que pudesse se assemelhar àquela realidade de outrora, dos tempos do velho Oeste Yankee.
Seria um contrato, já que a obrigação de desferir munição na direção do duelado tinha local acertado, hora e testemunhas, além, é claro do objeto, prêmio pelo êxito do que lhe sobrevivesse (a honra lavada).
Todos os elementos do contrato estariam ali, não fosse o caráter ilícito das obrigações de fazer sinalagmáticas assumidas por ambos pistoleiros.
Saindo do campo negocial, e mirando no mundo do crime, aquele que tivesse maior astúcia no manejo do gatilho e sobrevivesse ao outro, teria agido em legítima defesa, posto ser seu tiro, tão somente, uma reação imediata e proporcional à ação do, agora, falecido, principalmente, para tentar manter incólume sua vida? Será?
A defesa jamais poderia ter sido legítima, diante do cenário quase circense dos duelantes e que, de maneira consciente e voluntária se propuseram a limpar a honra ofendida pelo sangue do ofensor.
Pensamos em várias outras figuras jurídicas e não conseguimos uma solução até os dias de hoje!
Eis que, passados mais de 10 anos desse inglório e ineficiente diálogo, volta a minha mente, exatamente neste sábado, 2/05/20, a angustia de não poder responder àquela provocação do meu irmão!
Para tentar trazer a inquietação para os dias atuais, passei os olhos sobre o mundo em quarentena (exceto o dos negacionista) e encontro em plena execução um moderno e instigante duelo: o de um bandido com um justiceiro. Ambos, cumpridores de todos os requisitos formadores do front de batalha de uma bala só, encontram-se com as garruchas apontadas para si, e, ao mesmo tempo, penso eu… diante da ausência do reconhecimento da natureza jurídica do duelo e, portanto, sem possibilidade de enquadramento nas normas punitivas do direto moderno, o melhor caminho para os projeteis, fosse mesmo, alcançar os desejos de seus recíprocos algozes… o maior problema, entretanto, é a tristeza de não ter de quem poder cobrar pelo custo das balas, que, nesse caso, não se compõem de pólvora, mas de falsidade, ardil e mau-caratismo. Alias, insumos adequadíssimos aos duelantes do planalto…

Apaixonado pelas palavras, pela advocacia e pela vida regada a um vinho!

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