Conto,  Literatura

No Show


Perdi o vôo. 

Cheguei até bem cedo no aeroporto, mas me distraí com um bendito telefonema que resolvi dar  para a VASP, a fim de reclamar uma passagem- bônus a que tinha direito e que tardava a me chegar às mãos.

Engraçado é que nem precisava dela! 

Não tinha planos, a curto prazo, de uma viagem de lazer para aproveitá- la.

Já passei muitas horas em aeroportos aguardando as famigeradas conexões, mas nunca me senti tão desenxabido, tão desconfortável.

Afinal, mineiro não perde o trem. Nem bonde.

Quanto mais avião!

Em certo momento,tive a sensação de que todos me olhavam contristados, porque se apercebiam da minha frustração.

O quê fazer?

Putz, o terraço, decidi quase eufórico.

O útil e o agradável: tomaria um chopinho relaxante e comeria um filé com fritas, aproveitando para admirar os pousos e decolagens dos aviões, manobras que sempre me fascinaram.

Subi a rampa e entrei no restaurante. 

Vazio! 

Retifico, em uma mesa, nos fundos, dois senhores. Sobre a mesa que ocupavam uma garrafa de cerveja e dois copos que pareciam desprezados.

Manuseavam papéis e aparentemente faziam contas.

Pelo visto, a cerveja era apenas um pretexto para que ali estivessem, confortavelmente.

Retrocedi, rapidamente, à busca da lanchonete pela qual passara, sem observar o seu interior protegido por vídro fumê.

Entrei direto.

Era uma “senhora” lanchonete. Bem montada, com área que calculei em mais de 200m2.

Nela, uns 8 ou 10 “gatos pingados”, contando comigo. 

Não dava para cair fora porque uma garçonete logo me atendeu, solícita.

– Tem sanduíche de filé?

– Não, só temos hambúrguer.

– Ah, mas se o senhor quiser, temos o hamburgão que vem com fritas, falou- me confiante, como se tivesse adivinhado os meus desejos. 

Desalentado, falei: 

-Sai com um chopinho?

– Acabou o chope!

-Então, uma Brahma bem gelada.

-Só temos Antártica e Skol. Pode ser? Qual?

Já sem paciência, respondi:

-Qualquer uma.

Veio Antártica. 

Enquanto tomava o primeiro gole, corri os olhos pelo enorme salão. Piso de granito. Logicamente, preto.

Com o olhar fixo nele, não consegui evitar a associação de imagens.

Granito, espaço, silêncio: cemitério!

Cruz credo, senti um calafrio .

Só mesmo velório é mais triste e lúgubre do que restaurantes e lanchonetes vazios!

Tarcísio P. Ferreira

Data provável:1997

Belorizontino (nóis daqui junta as palavra mesmo), atleticano, advogado, cozinheiro e viajante! Conhecendo o mundo pela sua culinária, seus vinhos e butecos... nesta ordem!

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