O celular e a solidão
Dia lindo! Saio para pedalar em plena Av. Paulista. Palco, aos domingos, de uma incrível diversidade. Sons de todos os tipos. Tocados ou não. Literalmente. Protestos à esquerda, à direita. Malabarismos, academias ao ar livre. Performers de toda ordem. Pedalo dez minutos e me dou conta de que esqueci meu celular. Normalmente pedalo ao som de Withey Houston, Tim Maia, Belchior, Só pra Contrariar, Luiz Melodia, Raça Negra, Lisa Stansfield, Áurea, Tracy Chapman, Alicia Keys, entre outros. Uma play list eclética sem nenhum juízo de valor.
Tim e Tracy não são desse mundo e Elis, que havia me esquecido de citar, é meu eterno amor.
Como andar de bicicleta sem essas extraterrestres companhias? Pedalar é um esporte solitário e para quem não é profissional pode dar um certo tédio. Nesse mundo líquido, emprestando um termo usado por Zigmunt Bauman, a conexão, seja lá de que formar for, proíbe qualquer atividade sem essa caixinha mágica que dentre outras coisas utiliza-se para telefonar.
Parei de ímpeto e pensei dar meia volta. Afinal sair sem celular é andar nú. Imagina pedalar?
Quase entro em pânico. Lembrei dos meus entes queridos que por ventura poderiam querer falar comigo. Tim Maia e Chapman… como suportar suas ausências? Do Paraíso à Consolação é o mais próximo que posso chegar do Leme ao Pontal… Elis e a nostalgia que me encanta… cadê?
São talvez seis a oito quilômetros no mais absoluto vácuo silencioso e desesperador de barulho urbano daquele mundo repleto de diversificação ensurdecedoramente solitário.
Parei, pensei e, corajoso, decidi seguir em frente à enfrentar meu eu comigo mesmo. Minha companhia agora não seria os gênios da MPB, ou seus similares internacionais, mas sim os anônimos comuns e incomuns a misturarem-se na mais absoluta democracia urbana que abraça, como o Carnaval, a todos os tipos que circulam na avenida. Desta feita, avenida Paulista onde, guardada as devidas proporções, transforma-se aos domingos e feriados, na Sapucaí Paulista.
Pedalo alguns quilômetros em meio a barulhos de toda ordem. A cada metro um grupo tocando de rock a música erudita. Algo inédito e tremendamente democrático.
O que me chama atenção é o celular. Não consigo ver ninguém sem o aparelho em mãos. Surreal. Lembro no meu quase que com saudades. E, novamente, o pânico me invade! E se alguém quiser falar comigo? E a Whitney e sua voz que me faz esquecer que sou desse mundo, numa sensação que me leva quase ao Nirvana?
Paro com minha bike emprestada, sem permissão, confesso, na Casa das Rosas, em plena selva de pedra da avenida que abarca toda diversidade possível, num bistrô ao ar livre, e peço uma água e uma Heineken. Esta última vem enviada pelos deuses da Antártida.!Agradeço aos céus. Sinto-me afortunado e feliz!
O lugar me trás a lembrança do meu amor que, domingo sim, domingo não vai visitar sua madre querida e me deixa só. Compreensível, por certo. Mas não gosto de sua ausência. Possessivo, admito!
Sorvo a cerveja que estou aprendendo a beber e minha conexão agora é com o prazer! Estou sozinho, mas não só!
Bike estacionada. Eu comigo mesmo paro a observar a diversidade a minha volta. Dou conta de que essa diversidade encontra na tecnologia algo em comum: o aparelho celular.
Quase todas as mesas tem alguém, acompanhado ou não, com um celular à mão.
Espalmo as minhas para acreditar que estou sem a sofisticada geringonça. Estou. É serio! Como pude esquecê-la? O que Tim Maia pode pensar? E ébano? Me acharia sua antítese? Fraco? Um branco tolo e racista?
Despido senti-me novamente. Outra Heineken e estar nú não seria problema algum.
E só, seria? Penso…
A solidão estaria a querer me acompanhar, só porque esqueci meu celular? Minha conexão com o mundo estaria desfeita, perdida? Olho para o lado, num lance intuitivo, reparo uma moça almoçando e sua companhia era a máquina tecnológica. Uma garfada e dez velozes e compulsivas digitações no aparelho. Ela estava ou não só? Questiono-me! Estou eu só?
Pensei em questiona-la. Não o fiz. Meu desconfiômetro me brecou. Seria invasão de privacidade. Ou assédio. Dado que atualmente todo cuidado é pouco.
Peço a terceira Heineken e um carpaccio. Por um instante achei algo estranho. Fiquei meio que feliz, mas não dei conta exatamente do porquê. Olhei em volta e nada havia mudado. Todos estavam sós, do mesmo jeito, inclusive a moça a digitar. Também falava com o aparelho. Certamente enviando os comuns e pragmáticos áudios para alguém. Estava só? Pergunto-me novamente.
Como meu carpaccio acompanhado por minha Heineken e descubro o porquê da minha sensação de felicidade. Nunca havia comido um carpaccio sozinho…. que ninguém me ouça, como foi bom! Ficar só, vez outra, é bom?
Questões básicas, não?
Volta à tecnologia e nossas formas de conexões. Quem estava só? Eu sem celular ou a moça com celular? Ambos, sozinhos, almoçando em um bistrô a céu aberto. Um com a tecnologia e o outro sem….
Quem de nós dois estava só?
Talvez ambos ou nenhum.
Talvez fosse só um momento do acaso, circunstancialmente a nos deixar, ambos, sozinhos naquela hora, naquele lugar.
E a tecnologia onde entra nisso? E o celular?
Últimas questões: o celular é capaz de não nos deixar só?
Sem celular estaríamos sós?
Que conexão precisamos para não estarmos sós? Tecnológica?
Sensorial? Empática? Espiritual?
Não sei!
Talvez a tecnologia nos salve do ostracismo por não nos deixar ficar sós. Mas será suficiente para não nos deixar solitários?
Ou um carpaccio e uma Heineken com as imprescindíveis Witney e Elis e suas magias a nos conectar com os nossos, onde quer que eles estejam, são suficientes para nos sentirmos pertences ao mundo?
Acho que sim: o carpaccio e a Heineken são suficientes, desde que não esqueçamos o celular e consequentemente a solidão a nos assombrar vez ou outra…