Minha bolha estourou! E a sua?
Alguém de vocês já parou para pensar no vírus Ebola na África?
Nem eu; até agora.
Pois bem, tenho pensado em como minha vida é, digamos… maneira: minha grande preocupação é estar seguindo à risca meu planejamento estratégico e alcançando as metas do meu orçamento -pessoal e empresarial. Também me preocupo em ganhar, gastar e guardar dinheiro para a velhice (nessa ordem); que prato poderei cozinhar no final de semana e se meus filhos poderão degustá-lo comigo e minha mulher. Qual vinho? Como fazer frente aos meus mais mundanos desejos: consumir, comer, beber, passear, ler, viajar, etc etc…
Um dos meus infortúnios é meu estômago a reclamar, vez por outra; uma enxaqueca, uma gripe, que me fazem me esgoelar em reclamações. Um presente a um aniversariante amigo ocupa-me, por vezes. Um conhecido ou parente doente ou em dificuldade. Aquele carro que miro comprar: quanta preocupação…
Analogamente o mundo e suas angústias pontuais (?): os governos em brigas comerciais; esquerda versus direita; teste de bombas; drones e inteligência artificial a anteciparem o futuro já velho frente às inovações…
O amanhã comprado através de cartões de crédito – empresto o conceito de Zigmund Bauer, em Medo Líquido – que retrata perfeitamente nossa corrida em consumir, ansiosos e com medo de não podermos fazê-lo depois – então compremos o amanhã para desfrutá-lo agora – mesmo nos endividando…
O Ebola na África…
A guerra na Síria; a fome na África (olha a África novamente).
A migração como uma nuvem de gafanhotos (sem ser pejorativo, mas apenas pra dar uma ideia de quantidade) a invadir países estranhos, alternativos a trazer a certeza/incerteza de um mundo possível – mas não provável.
O Ebola na África…
Minha sessão de terapia e minhas angústias pessoais…(eu de novo concorrendo com a África).
Aquela dor que me aflige e é a maior do que todas que existem no mundo; que me paralisa… que me causa medo, aquele medo que me congela.
O Ebola na África…
Tantas e tantas mazelas…
Reparem bem, entretanto: o Ebola, as guerras, o problema migratório, a fome lá e aqui, etc estão aí e insistem em nos provocar. De manhã, já antenados, assistimos a tv anestesiados… não nos importamos mais com as barbáries.
Não, não estou falando em ter pena, lembrar-se, vez em quando, desse cenário cruel e, por ele, fazer uma oraçaozinha, dizer que se deixarmos a matrix que nos aprisiona nos libertaremos da nossa alienação, e dai, num passe de mágica o mundo se curará…(tem gente até que pinta um bindi – se veste como monge – enfim, mistura tudo).
Se importar! É disso que estou falando.
Meu sono só se perde frente aos meus amuos!
Minhas ameaças não vêm da África. Tão pouco os párias migrantes me atormentam. A fome não me atinge. Tudo está tão longe, na tv … O Ebola na África também.
Termino meu café; seu gosto hoje está bem amargo e mexe com minha calma. Não saio para o trabalho; meu cartão de crédito não consegue comprar o futuro , agora tão ameaçadoramente incerto. A xícara está vazia e dou de cara com uma pandemia – não aquele surto daquele longíquo e sofrido continente: mas esta espreitando-me e aos meus, e que está tão distante… ali no hall do meu elevador…
Agora sim, estou preocupado. O pão amanhecido lembra-me do perigo lá fora… e me convida a prestar atenção na ameaça entrando em minha sala por aquela tela que ainda ontem não me incomodava…
Apavorado penso nos meus – sem poder vê-los, abraçá-los…
Lembro dos amigos e dos desconhecidos – até daqueles da velha África…
Minha bolha estourou! E a sua?
Alexandre
31/03/2020