Crônica

Saudade de Deus…

Anos atrás percebia que algumas pessoas, de repente, começavam a temer a Deus quando começavam a envelhecer. Sempre achei isso meio covarde, hipócrita e, de certa forma, engraçado. Pois, quando jovens debochamos de quase tudo e tudo nos parece cômico.

Pois bem, distante de minha tenra idade começo a ter um sentimento contrário. Flerto com o agnosticismo descrente que estou do mundo terreno e metafísico. 

Confesso, porém, que há tantos anos comunicando-me com o Supremo percebo que interromper o processo é uma ação hercúlea. É como o fumante que quer estancar seu vício repentinamente. Descubro, então, que me tornar agnóstico não é fácil. Vez e sempre, ainda, creio que incorro em pecado e O temo, pois que estou envelhecendo. Covarde? Pode ser. Creio que seja falta de convicção que anos e anos de costume – vício – em temê-Lo me obstaculiza em não acreditá-Lo. Pior que não há, nesse caso, cigarro eletrônico, chicletes de nicotina ou o raio que for que jeito dê. Talvez a espiritualidade da moda, abraçar árvores, crer na ancestralidade e honrar os antepassados – pois que os membros do nosso clã atual queremos distância – possa ter a função do cigarro eletrônico ou chicletes de nicotina. Mas minha fake alma não crê em nada que São Thomé não tenha visto e aí… não rola. Apesar de ser bem mais fácil ter espiritualidade atualmente: pois como diz um filósofo, também da moda (sem ser pejorativo com o rapaz), ter espiritualidade não dá trabalho. Nem dízimo paga. (essa última observação é minha mesmo).

Daí minha sensação de falta que cunhei no título: “saudade de Deus”. Há pouco Nele acreditava. Agora não tenho mais com quem falar que tenha mais competência que Ele para resolver meus infortúnios. Terapia está o olho da cara e antidepressivo brocha…

Fato é que envelhecer é uma merda mesmo e ponto. Anos atrás, conversando com um cara com um terço a mais de minha idade, descobri que envelhecer é aprender a se adaptar, mudar seus processos, quebrar seus paradigmas e aceitar, resilientemente sua queda inexorável. Dizia ele ter sido, na Espanha, sua terra natal, goleiro profissional e à época de nossa conversa contava com quarenta e cinco anos jogava, então, baralho., não mais futebol. Deleitava-se mais com leituras e buscava aplainar seus impulsos eróticos ainda que menos frequentes. É ou não é uma merda?

Envelhecer é, sobretudo, declinar. Ok, ganhamos experiência, conhecimento, calma etc etc… ; a pergunta que não quer calar é: pra quê? Claro que é a sequência natural das coisas e aí ok. Então vantagem não há. Apenas é natural. Fomos criados, nascemos ou acontecemos assim. O barro seca e se desfaz. Se fomos criados do barro está aí a explicação…; ou os aminoácidos pelos quais surgimos e evoluímos também secam. Sei lá, vai saber… Ciência e criacionismo falharam. Deus errou a mão e ou o Big Bang jogou no mundo aminoácidos defeituosos…

Envelhecer também é buscar algumas coisas, bóias salva-vidas. Talvez algo que compense a ideia de que estamos nos finalizando como ser. A religião é, certamente, a mais icônica. Porque para ela nos resta a alma e ela é a sequência do gran finale. Daí a saudade de Deus? Outras bóias mais simples, mas não menos cruéis, surgem como uma espécie de revanche que utilizamos para dar o troco e dizer que velhos ainda temos dignidade. Surge a intolerância. Percebe como somos mais intolerantes à medida que as velas vão ganhando espaço no bolo? Então levantamos várias bandeiras para sustentar nosso ego – velho também – mas firme ego. Dentre elas uma se destaca muito: o combate à hipocrisia. Acreditamos que, maduros, estamos acima do bem e do mal e, então, ser hipócrita não cabe mais em nossa sacola de defeitos que carregamos a vida toda. A terapia natural que a vida nos impõe nos encoraja a selecionar melhor nossas decisões. E essas não queremos mais sejam baseadas em hipocrisia. Ok, não vou mais a nenhuma festa ou jantar, almoço, seja lá o que for, se não quero ir, e ponto. Encontrar determinada pessoa não mais. Driblar a verdade, escamotear a razão e ser simpático para ser mais bem aceito, jamais. E por aí vai. Meu velho… calma lá. O mundo é hipócrita. E aí nasce a intolerância. Uma delas. Há tantas outras…

Tenho experimentado desse elixir que a depender da dose cria-me mais ou menos problema. O cuidado precisa ser redobrado porque os que estão em nosso entorno concluem: não liga não, ele é idoso… Velho é assim mesmo. Aí o tiro sai pela culatra. 

É o que digo sempre: Não gosto de velho!

Saudade de Deus. Quando o procurava acreditando piamente que Ele me ouvia, suplicava não me deixar ser velho. Envelhecer não tem jeito, já que a alternativa não nos seduz: morrer. A não ser que seja para ser primeiro que nossa prole. Ficar intolerante? Esbarrar na chatice? Criar manias ou por mais cor nas existentes? Não! Isso é ficar velho e não gosto de velho!

Queria envelhecer me tornando melhor. Sábio. Abraçar a placidez sem me tornar lento ou decrépito. Ter saúde. Sobretudo ter saúde. Não depender de nada nem de ninguém. Não esmorecer e ficar mais sensível à toa. Não ter que ter saudade de Deus. Queria ter convicção da Sua existência e de Seu plano para mim. Seu bom plano. Queria Sua compaixão. Sua misericórdia. Ou, quem sabe, ser um ateu convicto e tolerar a ideia de que somos o que somos e não há destino. O que há é o fato de termos um fim. Como o ocaso: fim do dia, da luz . Ponto. É a vida. Ou a morte… Vida e morte não seria a mesma coisa? A vida não seria a morte em doses homeopáticas?  A pensar. Mas isso não interessa agora. 

O que interessa é suportar o ocaso; o sol que se põe sem que haja o amanhecer no outro dia. O fim!

Saudade de Deus!

Um humanista um pouco bravo.

One Comment

  • CRISTINA MARTA CAMARA SANTOS

    Invariavelmente temos saudade do que achamos que nunca experimentamos…
    Certa vez ouvi dizer de uma pesquisadora que, ao envelhecer, aprendemos mais sobre a autenticidade e os desejos reais da nossa alma… e por isso seguimos em frente mais felizes sem querer se moldar mais em caixas de fora de nós… Daí o molde… seja para os agnósticos, seja para os espiritualizados, é só de lá do centro de nós mesmos…
    Escrever faz vir à tona essa imensidão…
    É bom ler você. 💚

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