Causo,  Literatura

Bêra


Veio do interior de Pernambuco.
Pelo que se sabe, de um lugarejo qualquer, perdido no mapa, onde todos viviam da cana.
Ou melhor, do plantio e da colheita dela, logicamente a serviço dos “ senhores” dos engenhos.
Seu nome: Beraldo Cândido da Silva.
Com muito esforço, concluiu o curso primário numa escola rural, o que lhe dava muito destaque naquela comunidade pobre e simples.
Um belo dia, cansado do trabalho duro, da quase miséria, juntou alguns trocados e resolveu tentar a vida em São Paulo.
Desde a partida, acompanhou-o uma tal de hérnia do disco (como diagnosticou um médico em Recife, onde chegou morrendo de dor) e que já lhe atormentava,nos últimos tempos, quando fazia o duro trabalho braçal na fazenda.
Em São Paulo, logo ganhou duas coisas: uma aposentadoria por invalidez pelo INPS, de um salário mínimo.
E um apelido: BÊRA.
Lá, pegava alguns bicos, quando dava conta.
Mas chovesse ou ou fizesse sol, todos os dias, religiosamente, tomava umas “branquinhas” no boteco do Tonhão – a diaba da cana não saia mesmo da sua vida!- e passava horas na banca de jornais da esquina, “filando” as notícias dos jornais.
Tornou- se atualizado e, sendo bem inteligente, o filósofo do botequim.
E lá lecionava e doutrinava!
Oi Bêra, quais são as novidades?, provocou o Quinzinho, num belo dia.
E todos, no boteco, atentos, aguardaram a loquacidade do Bêra, que nunca perdia a oportunidade para falar bem do Corinthians (time de que se tornou torcedor apaixonado) e mal do governo.
Bêra sorveu o primeiro gole, respirou fundo, olhou fixamente para o Quinzinho, mas não disse uma palavra.
Pôs o copo no balcão, ainda quase cheio e saiu do local como entrou, cabisbaixo e mudo.
Tinha lido, naquele dia, que fora aprovado o novo salário mínimo: miseráveis R$151,00!
Parabéns FHC, neoliberais e FMI!
Vocês conseguiram o impossível: calaram o Bêra!

Tarcísio Ferreira

Meados de 2001

Belorizontino (nóis daqui junta as palavra mesmo), atleticano, advogado, cozinheiro e viajante! Conhecendo o mundo pela sua culinária, seus vinhos e butecos... nesta ordem!

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