Causo,  Literatura

A sentença

Na década de 50, como já contei, eu fazia parte da turma de rapazes do Bairro de Lourdes, mais conhecida como Turma do Bodão.

Nos reuníamos, todas as noites, invariavelmente no bar do Bodão.

Uns chegavam mais cedo, outros por volta das 22:00 hs, após se despedirem das namoradas.

Mas o fato é que ninguém queria perder esses encontros porque, além da camaradagem, era ali que se combinavam as tretas que iríamos fazer.

Mas antes do “causo” de hoje, vou falar um pouco sobre o Bodão.

Alto, magro, nariz enorme, nenhum dente na boca, assim era ele.

Sempre de bom humor, não tinha nenhum complexo para o constante  sorriso largo, no qual mostrava a gengiva superior.

Quando alguém lhe perguntava como iam as coisas, sempre respondia: 

  • Se melhorar, melhora!

Generoso, falando a verdade, até mesmo desprendido, concedia crédito para todo mundo e a conta de “pinduras” era enorme.

Mas, ao longo da minha longeva vida, acho que não conheci  ninguém mais estimado do que o Bodão.

Em outra oportunidade contarei  sobre os rumos que a vida dele tomou.

Hoje, o assunto é a turma e algum fato hilário.

Não tínhamos qualquer preconceito e na turma tínhamos gente de todos os jeitos e raças. 

Nesse meio tínhamos um filho de alemão.

Apelido dele: Bube.

Bem apessoado, meio arrogante, pouco falante, um tanto estranho.

O Tibé, dono de fina ironia, certa feita sentenciou: 

  • O Bube é burro!

Essa afirmação, categórica e depreciativa, ficou pairando no ar, sem efetiva comprovação, por muito tempo.

Posso afirmar, com toda a certeza, apesar da acolhida democrática para ricos e pobres, que as noites do bar do Bodão abrigavam o valor de pelo menos 1/3 do PIB de Minas Gerais. Em herdeiros.

Sim, era considerável a frequência de filhos de algumas das famílias milionárias de BH. 

Pois bem, voltando ao Bube, ele ficou sumido do bar por um bom tempo.

Numa bela noite apareceu, bem vestido, como sempre.

Quando alguém lhe perguntou o que andava fazendo, cheio de empáfia e em voz alta ele respondeu:

  • Enquanto vocês estão aí fudidos, lambendo embiras, eu me arranjei na vida. Agora sou motorista de caminhão da Coca-cola!

Ficou provado. O Tibé tinha razão!

Tarcísio P. Ferreira

06/07/2020

Belorizontino (nóis daqui junta as palavra mesmo), atleticano, advogado, cozinheiro e viajante! Conhecendo o mundo pela sua culinária, seus vinhos e butecos... nesta ordem!

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