A felicidade e esses meus ouvidos moucos…
O dia amanhece chuvoso, Ana acorda e se sente feliz. Levanta-se e decide permanecer vestida com seu pijama de flanela de calças e mangas compridas. Prepara seu café e o toma lentamente com um pão com manteiga quentinho. O sabor e a simplicidade do momento aumentam sua felicidade. Era dia nenhum para ela, ainda que havia afazeres. Não era quinta, nem domingo; era apenas um dia chuvoso e prazeroso para Ana.
No mesmo dia, pálido, Roseli acorda e numa espiadela, com apenas um olho aberto, percebe o molhado de chuva que lhe deixa infeliz. O olho desperto mira a janela sem nada ver; Roseli escuta o barulho da aguaceira caindo sobre seu mundo enorme do tamanho de seu quarto. Sua infelicidade a convida a cobrir o rosto e dar de ombros para o dia, voltando a dormir.
O que faz Ana e Roseli sentirem-se feliz e infeliz estando, ambas, na mesma situação?
Não sei!
Minha afirmação, por si só, confesso, já me descredencia falar sobre o assunto. Ouso, porém, a refletir apesar dos meus parcos conhecimentos filosóficos.
O estoicismo nos ensina que o equilíbrio na paixão nos oferece certo distanciamento da situação vivida, propondo haja uma indiferença às emoções: a apatheia – palavra grega – que significa um estado de espírito alheio ao mundo externo. Sem afetação. Não há paixão nem para o bem e nem para o mal. Desta forma, não afetado, você não se deprime e segue equilibrado.
Espinosa desafia esse pensamento e diz que a potência de agir dá o tom, e determinada pela alegria ou pela tristeza do momento somos afetados. Portanto, se para Ana a chuva é uma alegria sua potência de agir aumenta. Por outro lado, Roseli se entristece vivendo a mesma situação. Logo, sua potência de agir diminui e ela volta, infeliz,a dormir.
Desde a mitologia dos deuses inventados pelos gregos, passando pelos filósofos clássicos, estóicos, modernos, Iluministas etc, a felicidade é uma discussão recorrente e cara a toda humanidade.
Dias desses pensei no assunto. Romântico sou afetado pela paixão e, portanto, me distancio da apatheia. Não tem jeito, quase tudo me afeta. Então, nada tenho de estóico. Aliás, minha potência de agir diminui consideravelmente todas as vezes que encontro um pela frente. Daí fico triste e a infelicidade me suga feito um buraco negro.
Seja como for, a potência de agir, parece-me um acordeão que no vai e vem alegre-triste-alegre-triste, sem fim, é o fio condutor de nossa existência a balancear nosso estado de espírito. Assim a humanidade caminha e caminhará eternamente até o agora. Pois que o amanhã não existe e o ontem só existe na memória…
Não há conclusão quando o assunto é filosófico.
Se Espinosa estiver certo, a metáfora faz sentido: a potência de agir é uma sanfona cujo vai e vem do alegre-triste é o som da felicidade ou infelicidade em nossas vidas. A depender da música que nos toca, podemos sair dançando ou nos prostrar melancolicamente.
O que eu não consigo colocar na equação é a distinção da nota afinada ou desafinada para esses meus ouvidos moucos…
Alexandre
09/08/20
2 Comments
Laura Lambert
Uma redacao linda. As vezes eu mesmo me parece que eu nao tenho nada control do minhas emocoes. Nos podemos so mudar nossos ambientes para nos adjudar a sentir feliz. Amor, Laura
Alexandre Câmara
Obrigado, Laura.