“A vida é difícil!”
Há exatos vinte e sete anos atrás li “A trilha menos percorrida”, de Scott Peck. O livro escrito por esse psiquiatra americano começa com uma afirmação cuja a verdade é absoluta: “A vida é difícil!”.
Essa frase me fez pensar que a verdade é simples, normalmente; nós a deturpamos e modificamos, para suportar sua simplicidade indelével. Curioso que, atualmente, inventamos a tal pós-verdade que dribla fatos objetivos para conquistar opiniões favoráveis aos nossos interesses ou, ainda, para nos iludirmos, sublimarmos, camuflarmos, como camaleões, a verdade simplesmente, na tentativa de nos protegermos. À época, bem mais jovem, li a frase “A vida é difícil”, tão bem definido por Peck, de an passant, desconfiado de que abriria-se uma fenda em minha alma se nela me concentrasse; como se eu pudesse enganar a mim mesmo, na esperança de dar uma volta na verdade e ganhar uma recompensa ao final: como a criança que come seu chocolate de pedacinho em pedacinho para que não acabe logo, prolongando o tempo para obter o prazer como recompensa. Menti pra mim mesmo e segui com a vida.
A mensagem, porém, como um vírus, se alojou em algum lugar de minha alma e lá fixou-se, ficando incubado até hoje. Virava-e-mexia um mau sintoma aqui outro ali, me lembrava que “a vida é difícil” e, como um grilo falante, o médico sábio não me sai da cabeça.
Escreveu, Peck, que fazemos escolhas pelas vias mais difíceis, por uma trilha menos percorrida, e que, esse caminho, nos ajuda a dificultar a vida. Outra verdade que considero simples. Aprendi que toda verdade é simples. Esse termo – verdade simples – foi cunhado por Daniel Goleman em seu livro Mentiras essenciais e Verdades simples; não fui eu , portanto, a dizê-lo. Apenas empresto de Goleman o óbvio conceito. E por óbvio é genial.
Hoje aos cinquenta e oito anos, a mensagem-vírus – “a vida é difícil” – resolveu sair de minha alma incubadora e se alastrar em mim. Oportunista é real e escancara aquela verdade simples que tanto tenho tentado driblar, sem sucesso porém…
Apesar de sua simplicidade, a verdade, com o passar dos anos, torna-se mais dura e evidente e a vida impõem-se sem nos dar trégua. Sigo lutando com a vida, diariamente, pois que a outra opção – a morte – nos é desconhecida e, portanto, de aposta totalmente desfavorável. Curioso que vida e morte guardam uma semelhança inequívoca: ambas são difíceis. Scott Peck não falou sobre isso. Compreensível, porém: pois se a vida não é fácil, imagina a morte, que secreta, não nos diz o porvir?
Talvez por isso desconfio que a vida é a morte em doses homeopáticas. Fato é que o psiquiatra alertou-me lá atrás de que a vida é difícil. Dei de ombros, segui em frente. Sublimei. Como um camaleão tenho, bravamente, tentado me defender, tentando enganar a inevitável e óbvia afirmação de Peck..
O problema é que meus disfarces estão ficando sem opções de camuflagens e a vida continua descobrindo a todos eles…
Alexandre
31/05/2020