Hospedeiro ou transmissor: nenhum, nem outro, apenas detentor.
… exatamente isso: valho-me do ócio criativo que esta porção de tempo denominado pelos cristãos, domingo, em que me encontro, para expressar alguns sentimentos, de há muito acumulados em minha mente, razoavelmente, criativa.
Não escolhi o domingo para essa modesta crônica, mas, uma vez, coincidente ou não, a presente empresa já nasce contraditória em seus básicos fundamentos, levando-se em conta a origem do “dia” e meu, inevitável, isolamento.
Conta-nos a história que o “dies dominica”, revelado em louvor ao Criador, em sua homenagem e ao seu merecido descanso, após seis ininterruptos dias de criação, traduzia-se, na idade média, como o “dia do Senhor”, ocasião em que as igrejas ficavam repletas de fieis e, por isso mesmo, os agricultores aproveitavam a aglomeração de pessoas para expor e comercializar seus produtos na feira… aliás, era o primeiro dia de feira, sendo que os demais, nomeados em números ordinais, a partir do segundo até o considerado último dia pelos Judeus, shabbatt, em razão dos quais, formou-se o conceito e a ideia de semana que temos até hoje.
Uso desse pequeno escorço histórico para me situar, pois, em um dia em que sua etimológica origem deve-se à aglomeração de pessoas para louvar ao senhor criador e, ao mesmo tempo e de maneira pragmática, promover a economia local, encontro-me no seio de meu lar, isolado do mundo físico exterior, paradoxalmente, no dia de maior apelo histórico à vida coletiva e de proximidade corporal, ao menos desde a idade média.
Isolamento esse, nada obstante, deleitar-me dele em função de seu primoroso fim. Como em muito de nós, não duvido, tem despertado em mim a necessidade de reinventar algumas práticas da vida comum, cujo “poder do hábito”, de há muito, já se incumbiu de exercê-las, sem que a própria consciência energética precisasse ser ativada.
Ou seja, além do home office, a que tenho me dedicado, cuja ausência de limite temporal e espacial passaram a ser um de meus maiores incentivadores, outras demandas mentais começam a me aturdir que, aliadas ao prazer de pensar, repensar, criticar, ler, escrever e ouvir a crítica alheia, algumas outras reflexões, agora, podem ser, minimamente, expostas à crítica pública e, sobretudo, à minha crítica.
E, toda essa energia canalizada para o cérebro produtivo, não poderia passar ao largo do exato momento em que vivemos, ou em que morremos… que só o exíguo tempo nos dirá!
Quero, ainda, lembrar com todas as honras de estilo, que o traço central desta narrativa com propósito dissertativo, nasceu em uma das muitas boas tardes de sábado, ao lado no meu amigo Cabé, em um dos nossos mais primorosos redutos de vivencia em comum: o bar do Kantil.
Lá, então, ocorreu a cena auspiciosa da vida, enquanto aguardava o retorno dos amigos-irmãos, Fraga e Vini, para irmos, todos ao Mineirão, a conhecida “TOCA 3”, assistir, juntos, a mais uma bela demonstração de bons convivas em prol do que, certa feita, disse o técnico vice-campeão mundial pela seleção italiana na Copa de 1994, Arrigo Sacchi, “il calcio è la cosa più importante delle cose non importanti“.
Nesse dia, ouvi do meu amigo Cabé que ele era o verdadeiro “Coroa Vivo”… seguida da alegre galhardia que lhe é muito peculiar, como um jovem senhor da altura de seus vivíssimos 75 anos de idade!
Uma verdadeira festa na soleira do “Itamar” como é carinhosamente chamado o “bar do Kantil”, foi vivenciada por nós, ao mesmo tempo em que comecei a refletir sobre tais palavras… ora, mesmo concordando com Ruben Alves quanto ao fato de que as palavras não se prestam para disseminar a verdade, tomou-me, aquela frase, de uma consciência histórico-sociológica, sem precedentes. Ou foi mesmo o tal gatilho, inspiração para reverberar aquilo que penso e repenso há muito tempo.
Já me ensinou o referido mestre e “pianista das palavras“:
“Todas as palavras tomadas literalmente são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio!”
E, no silêncio daquela bela pérola “cabesiana”, rebelei-me dos meus grilhões mentais para compartilhar com o mundo dos leitores e dos ouvidores do silêncio, essa que é uma atroz dúvida e uma verdade dita pelos séculos e séculos da perfeita retórica por mim nominada de “corona vírus”:
Não poderia haver nômina científica mais apropriada da que foi atribuída a este ser vivo que, apesar de somente pretender a mantença de sua sobrevivência, como sói todos os demais, é, em razão da consequência que propicia, assim, abominável.
O “corona vírus” traz em sua etimologia acadêmica muito mais do que sua aparência morfológica pode demonstrar. O imaginário coletivo ou a sagacidade do seu autor trazem-nos a uma irremediável catarse, inclusive de cunho sociológico. Catarse essa que, inevitavelmente remonta aos áureos tempos do império da “corona”.
A coroa, símbolo maior do poder, alvo de aspirações sobre-humanas, em razão das quais, matavam-se, morriam-se, sobretudo, dominavam-se. Ter a coroa, ou como gostam alguns governantes do atual plantão, a faixa presidencial, representa e, sempre representou ter o “cajado de Moisés”, ser o guia da vida alheia.
Certo!
É um sistema de representação popular, quer pela força de outrora, quer pela força da urna hodierna (exceto para aqueles que ainda se encontram promiscuamente vinculados à força de outrora), assumem tal timão visando à condução do povo sob sua guarda ao destino bíblico da posteridade promissora, mesmo que a custa das históricas dores e das opressões.
Mas, o propósito teleológico dos guias, jamais assim o foi forjados, O cuidado com povo, o trato da boa e cuidadosa vida, esses, sim, sempre foram as bases da retórica dominante dos que se apresentaram para exercer tais misteres de liderança.
Já o “vírus” apesar de sê-lo vivo o é a toxina, segundo a etimologia latina. O mal maior, o destruidor da vida. Tão perverso quanto inversamente proporcional às suas diminutas e microscópicas anti-dimensões, já que o seu espaço ocupado pode, por assim dizer, ser considerado desprezível.
Nada obstante, sob a reflexão quanto à “finitude do homem”, pensamento filosófico trazido por Foucault, segundo seus estudiosos e a finitude espacial, proposição minha, neste momento usada pela mais absoluta liberdade poética, há de se considerar o vírus como um ser vivo que exerce presença física no espaço e no tempo, portanto, dotado de dimensões.
Nada mais sintomático do que a alusão simbiótica aqui proposta ao “Corona Virus”: o isolamento em um domingo em função de se precaver quanto a possível contaminação por um vírus que já vitimou milhares e milhares de seres humanos com uma estúpida rapidez, por todo o mundo organizado e governado pelos “Odins”, detentores das suas respectivas coroas, representativas do poder de guiar o povo à “Walhala”, aqui da terra.
Nada mais incompreensível: a “coroa” mundial, não só não aprendeu com as várias dizimadoras pandemias que antecederam a esta viva (ou ainda em vida) geração, como não destacou e determinou, de maneira inquestionável toda sua horda de componentes a desenvolverem meios científicos de toda espécie para se evitar uma nova “limpeza social”.
Aliás, limpeza essa originada na sustentada, comunitária e irremediável fome no mundo: a mãe de todas as mazelas, igualmente, desprezada pela “corona”, mas endeusada pelo “Virus”.
Povos inteiros, nações inteiras, milhares e milhares de seres humanos que não sabem quando comerão ou quando comerão novamente. Triste realidade, que, dentre outras decorrentes da estrutural omissão da coroa para a base de uma vida digna, está à assolada violência.
Violência, cujo aparente e único combate encenado pelo nosso “Messias” foi a teima em nos municiar, novamente, sem se ater que a causa raiz não está na posse ou na propriedade bélica, mas na gestão pública dos interesses macro da nossa nação e dos interesses micro e imediatos nos nossos nacionais, que há mais de um ano não conseguimos perceber como atitude de nosso detentor da “Corona” federal.
Já o “Rei do Rio”, pensando que o extermínio do sintoma (o ser humano criminoso) seria suficiente para tratar da causa, que, alias, o seu Juiz-Govenador, fundamentalista, parece não conhecê-la, permanece como um dos maiores hospedeiros dessa pandemia social.
Situação epidemiológica-social que não se pode atribuir ao nosso “Messias”, posto termos sérias dúvidas de que ele seria ó próprio “Virus”, aliás, possuidor da “Corona”.
Tenho consciência da linha retórica aqui proposta, como bem me chamou à atenção, o Ilustrado Dr. Caio Brandão, meu constante interlocutor e comparsa de ideias, como nos auto intitulamos hoje pela manhã, mesmo que de ideias antagónicas, mas de ideias!
E, por isso mesmo, repito o que lhe disse nesse momento de nossa interação mental-cibernética, neste “die de domenica”, logo pela manhã: “mas a retórica, cuja origem é Siciliana e data do ano V A.C., apesar de sua etimologia grega, sempre foi o veículo de legítimas reivindicações… e hoje, no país e no mundo em que vivemos (ou pretendemos continuar), cuja instabilidade é a instituição mais estável, nada mais legítimo e cabível do que uma proposta retórica. A reivindicação, nem que seja para mais uma prato de comida para quem não o tem; nem que seja para mais medidas sanitárias preventivas, nem que seja para mais um impecheament do detentor da “nossa Corona”, sempre há de se contrapor às exigências totalitárias das ditaduras e dos momentos de barbárie!
Por isso indago-lhes: como agir em um ambiente de mínima segurança jurídica, onde governadores responsáveis, independentemente do matiz político são alvejados por críticas sectárias (e medidas provisórias) por um Presidente da República que, ao invés, promover o exemplo de como se exerce uma “Corona” comporta-se como o verdadeiro transmissor do “Virus” e, assim, comprometendo todos os direitos fundamentais, sem o apoio irrestrito à liberdade de retórica?”
Liberdade, sobretudo de ir e vir, aliás, tolhida a todos nós e não se sabe por quanto tempo, sobretudo ao ouvir, de viva voz, o nosso Ministro da Saúde quando anuncia que em abril ou maio haverá o colapso do sistema de saúde brasileiro.
Anúncio feito ao vivo e ao lado do Exmo. Sr. Presidente da Republica que, com semblante nefelibata, reação alguma esboçou, a não ser no dia seguinte em desmentir o seu aludido ministro, mas, é claro, sem qualquer fundo técnico, como o é de costume.
E a solidão do isolamento? De nada esse sentimento nos acometeria se o fosse por um bem maior, por uma grande solução da humanidade, mas, não! Estamos sós e isolados, enquanto a “Corona Virus” e seus detentores e contaminadores, se esbaldam no poder e na capacidade de se apressar para demonstrar comportamentos de cuidado e de guia (de quem e para onde?).
Mas, por fim, indago: o cuidado proposto é com a “Corona” ou com o Virus”? O Guia é para uma sociedade melhor ou para um reinado mais protegido? Não sei.
Aliás, sei, mas sempre relutei em admitir que ninguém esteja sendo guiado para lugar algum, exceto os contaminados pela “Corona” que fazem do “vírus” sua maior virtude: a toxina social, sobretudo no Brasil onde até o passado é incerto!
Caiçara, Belo Horizonte, em um domingo de isolamento social no dia 22 de março de 2020, aliás, sem pretensão de inaugurar nova retórica, data em que o mundo comemora o “dia da água”!