A Amizade , a péia e a tradição…
Oitocentos capeletti. Oitocentos? Sim! Fatto a mano.
Aos sábados nossos amigos de BH, resolveram almoçar, digamos… virtualmente juntos; dado o novo normal pandêmico. Cada sábado, um amigo elabora um prato e o envia para os demais amigos – para a família toda. Hora marcada, ligam seus respectivos computadores e, como mágica, almoçam juntos se deliciando com o prato recebido. É o que chamo de sofisticadamente simples; extraordinário, fraterno e delicioso.
Sexta-feira, à tarde, recebo uma encomenda: um isopor lacrado, com meu nome e endereço, vindo de Belo Horizonte – MG.
Dentro, três vasilhas descartáveis com capeletti e molho de tomate. Tudo no gelo seco a menos oitenta graus para aguentar o traslado. Um mimo generoso e compassivo:estávamos incluídos na fraterna comilança, mesmo a 560 km de distância. É ou não é extraordinário?
O capeletti ao molho vermelho, feito à tradição da família Chimicatti – à mão – desde a massa até o molho – nos foi enviado pelo generoso amigo, remetente da iguaria que nos deleitou de sabor e satisfação. O acolhimento misturou-se ao paladar do prato recebido, criando uma atmosfera de comunhão, coroando nossa amizade.
Chimicatti e seu filhos fizeram oitocentos capeletti. Somos vários amigos, e servir a todos é obra hercúlea. O mais curioso, entretanto, é a importância do número, mais do que a quantidade em si: desde mais de vinte e seis anos atrás, todos os capeletti feitos são contados forjando ainda mais a tradição da italiana família.
O prato é algo divino e o sabor indescritível; daqueles pratos que a tradição vence os grandes Chefs que, ao tentar reproduzi-lo, certamente não lograrão êxito.
Dentre as várias idiossincrasias da tradição dos Chimicatti, uma chama a atenção: a péia. Que diabos isso quer dizer?
Ansioso por saber indago ao nosso habilidoso Chef o porquê da péia e qual é o seu significado.
“Decifre-a; pois, para nossa família, sempre foi apenas grande!” (Chimicatti).
Essa afirmação, feita pelo Chimicatti, deu-me a dimensão da importância desse prato para a família Ítala.
“A péia é uma tradição que representa o fim da elaboração do cappeletti! Como sempre sobra recheio e massa, mas não o suficiente para fazer mais alguns, resolvi, logo após o falecimento do meu pai, inventar essa estória! Pego o final da massa e do recheio e faço um cappeletto gigante! Como um símbolo do fim do ciclo! Como a elaboração desse prato demanda muitas horas e o envolvimento de muitas pessoas, a elaboração da péia é quase uma comemoração por termos conseguido chegar ao final. Assim como os Italianos imigrantes cuja chegada ao Brasil, era elementar para eles, o péia é isso para nós: um pequeno e grandioso símbolo da modesta fartura dentre os que sabem o que é a carestia…” (Chimicatti)
Essa história encerra uma tradição que nasce da escassez e termina na abundância de generosidade: é como se o punhado de massa com um pequeno recheio, ocupasse a bíblica história da multiplicação dos pães e dos peixes…
O desafio em decifrar a péia, feito pelo amigo fraterno, é demais imperioso e difícil para mim ou, quiçá, para qualquer mortal: afinal a tradução da frase “… pois para nossa família sempre foi apenas grande…”, simples e singularmente já diz tudo; não nos sobra, pois, nada para que possamos juntar e fazer a nossa péia interpretativa da tradição da família Chimicatti.
Alexandre
24/05/2020
One Comment
Chimicatti
Uma honraria para minha família receber do amigo e confrade tamanha gentileza e maestria com que nos dirige as poéticas palavras!