Crônica

Nós humanos amamos pra cachorro!

Chega a ser divertido e até engraçado a maneira com que as pessoas se apegam aos bichos de estimação. Talvez “estimação” já explique o que quero dizer. Mas é incrível o quanto esse sentimento extrapola quando se trata desses pets. 

– “Aqui, coloca a ração pros vira-latas perto do filtro; mas coloca à tarde, porque se colocar de manhã pode estragar e fazer mal pra eles; eles vão comer de qualquer jeito; eles comem tudo;  podem passar mal; ah…eles percebem, né? – Perguntei pra laica hoje de manhã: o que foi laica? Ela me olhou com os olhinhos tristes e o rabo meio pra baixo, amoadinha… Ficou triste. – Aqui, não esquece da ração do papagaio, mas essa você coloca em cima da geladeira. Deixei um recadinho escrito procê não esquecê”.

Esse foi um dialogo que ouvi de um senhor, no aeroporto de BH, mais ou menos com 60 anos, em tom de súplica, com a sua empregada para que cuidasse dos seus bichinhos. Sua feição era tristeza e compaixão e ao mesmo tempo feliz; até mesmo orgulhoso com o cuidado e por ter aquelas criaturas. Filhos talvez.

Não se trata de ser só e se agarrar em um objeto de afeto, não: trata-se de amor incondicional. Sim, claro que é isso. Por óbvio que o incondicional é por parte do animal. Por isso creio que essas criaturas nos apaixonam e comovem tanto. 

Esculache um cachorro, grite com ele e peça pra sair. Você está irritado, puto mesmo por qualquer motivo e não quer a presença de ninguém. Nada. Sem papo. Naquele momento não suporta nem a você mesmo. Xinga, esmurra a mesa, chuta o tapete por quase ter tropeçado e, como um carrasco, ralha com o pobre cão. O coitado abaixa as orelhas, enfia, literalmente, o rabo entre as pernas e recolhe-se à sua insignificância. Em segundos você se senta, coloca as mãos sobre o rosto e quando as tira com quem se depara abanando o rabo, com olhar fixo, orelha em pé e pronto para acaricia-lo com uma lambida e alegria de criança?

Quem faria isso? Qual ser humano tem tanta humildade, compaixão e o ama incondicionalmente a ponto de lhe socorrer e lhe dar afeto após um esculacho? Nem a mãe.

E quando falamos em recompensa então? Basta seu olhar para reconfortá-lo. Basta o nosso balançar de cabeça, negativamente, para que ele entenda: “você não tem jeito mesmo”, e pronto. O pobrezinho já se põe cheio de alegria e, saltitando, convida-o para sabe-se lá o quê, desde que seja em sua companhia.

Entre nós e eles parece-me haver apenas uma semelhança: o desejo de ser querido, ter afeto disponível sempre. A diferença é que nosso amor é condicionado à volta, ao retorno, à recompensa por amarmos. Para oferecer afeto é preciso que o recebamos. Para amar, se não doentiamente, queremos ser amados. Queremos até mesmo certo sacrifício que possa alimentar nosso ego. Quero o apego pegado na reciprocidade. 

Acaso tenhamos isso tudo, toda essa reciprocidade de afeto, somos capazes de amar. Aí sim, amamos pra cachorro.

Um humanista um pouco bravo.

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