Epiceno: um substantivo difícil.
O gavião-macho, sem papas na língua, com aquele seu bico adunco, advertiu-me que não aceitaria ser chamado só de gavião: tinha que ter o macho!
De tanto que insistiu virou um pinhé
Gavião homofóbico esse; isso sim: pensei com os meus botões.
Atônito hesitei em acreditar na ousadia do bicho; afinal, enfrentou-me como ninguém. Deixa estar: há de ter uma lição: encontrará um chimpanzé gay, a dividir um galho, que não aceitará esse preconceito e destroncará seu pescoço. Morrerá feito galinha nas mãos de uma cozinheira a moda antiga.
O jacaré, de boca aberta a espreitar-me, resolveu entrar na conversa: perguntou-me o porquê da minha indignação com o bicho voador. Meu ímpeto foi mandar-lhe às favas e cuidar da sua vida. Uma espiadela, mais atenta, no entanto, em seus caninos, motivou-me a uma prosa explicativa e cordial. Não sei, na verdade, disse ao bocudo que, feito estátua, banhava-se ao sol, a me encarar. Bicho atrevido, respondi, tentado justificar minha chateação com o outro. O aligátor, como quem dá de ombros, virou-se e água adentro mergulhou seu corpanzil e escafedeu-se. Cada bicho esquisito que aparece…
Como se não bastasse, do nada, surge um papagaio curioso e me pergunta o que estava havendo. Seria possível mais um animal a encher meu picuá? Certo é que o penachudo verde destrambelhou a tagarelar até que eu respondesse algo. Perguntei a ele se deveria chamá-lo de papagaio-macho. Ao que ele me respondeu que, definitivamente, não! Ofendida disse-me ser um exemplar fêmea de uma espécie de papagaio. Era como um pesadelo em meio ao mundo animal, tamanha confusão de gênero que eu estava, involuntariamente, envolvido.
Em meu devaneio procurei um amigo biólogo. Contei a estória toda. Ele, aflito, meio confuso, me disse: amigo, falar com flores, plantas, animais não há problema. O problema são eles responderem. Tenho aqui o telefone do meu analista; por favor, converse com ele. Sou biólogo, mas como amigo é a melhor ajuda que posso te dar.
Achei cruel, mas sincero. Pelo sim ou pelo não, fui ao encontro do tal mecânico de cabeça.
Estória contada, o tal analista resolveu investigar-me. Fez-me percorrer por toda a minha vida até aquele encontro. Tudo em uma hora, por óbvio. Arrumei-me na poltrona e, herculeamente, foquei-me em meu poder de síntese e só não falei daquilo que não lembrara. Silêncio…
O homem olhou-me como quem se transformara, a si mesmo, numa grande interrogação. Nesse momento concordei com meu amigo biólogo: tinha, ele, razão: eu deveria estar louco, afinal alguém se transformar em ponto de interrogação… sem falar nas conversas com bichos.
Sábio, porém, perguntou-me se eu estava preocupado com algo que não estaria me deixando em paz. Lembrei de uma coisa, mas observei que não era nada que pudesse me tirar o sono. O bruxo, então, me pediu para dizer do que se tratava. Disse-lhe que a questão era de ordem etimológica. Etimológica? Espantou-se o homem. Sim, afirmei.
Gosto de escrever e há tempos um substantivo (designativo de animais) com apenas um gênero tem me desafiado. Nesse momento o doutor reagiu incrédulo. O que diabos eu queria dizer com isso?
Um amigo, também afeito as palavras, havia me desafiado a escrever uma crônica com a palavra epiceno, expliquei. Confesso que não me lembrava de tal vocábulo. Beligerante, no entanto, aceitei o desafio. Só não sabia que aquele amigo da onça havia me impingido uma aguilhoada tão profunda.
Aliviado o analista resolveu minha pseudo loucura. Aconselhou-me, o médico, a escrever nossa sessão em forma de crônica.
Aqui está, pois. Se você não for um bicho preguiça macho ou fêmea, não importa, terá lido até aqui e aprendido um substantivo novo, e difícil…
Alexandre
03/05/2020
O gavião-macho, sem papas na língua, com aquele seu bico adunco, advertiu-me que não aceitaria ser chamado só de gavião: tinha que ter o macho!
De tanto que insistiu virou um pinhé
Gavião homofóbico esse; isso sim: pensei com os meus botões.
Atônito hesitei em acreditar na ousadia do bicho; afinal, enfrentou-me como ninguém. Deixa estar: há de ter uma lição: encontrará um chimpanzé gay, a dividir um galho, que não aceitará esse preconceito e destroncará seu pescoço. Morrerá feito galinha nas mãos de uma cozinheira a moda antiga.
O jacaré, de boca aberta a espreitar-me, resolveu entrar na conversa: perguntou-me o porquê da minha indignação com o bicho voador. Meu ímpeto foi mandar-lhe às favas e