Crônica

O tempo…

Ah… o tempo…

Percebem como somos apenas coadjuvantes do tempo? Como não o dominamos? 

O tempo nos parece algo versátil, mágico: balançando em sua gangorra misteriosa do existe, não existe…

Mesmo o disfarce do que se diz atemporal, que tenta negar o tempo, acaba por caracterizá-lo. Não fosse estranho diríamos  que o atemporal é o superego do tempo para  chamar a  atenção e lembrá-lo do ético, da moral, suplicando a não nos maltratar tanto. Falamos na atemporalidade como que para negá-lo. Tirá-lo da nossa frente, como uma revanche vingativa, ou para dele usufruirmos mais: ganharmos tempo. 

Submetidos damos as mãos a ele e, ao seu lado, o deixamos acompanhar nossas vidas… 

E assim o vivemos testemunhando sua ação inexorável em nossos seres… 

Inteligentes, o apelidamos de presente, passado e futuro, em busca de nos situarmos em nosso existir para, quem sabe, nos acostumarmos com seus efeitos e tentarmos uma convivência mais harmoniosa com sua impiedosa velocidade (maior que a da luz?). 

Criamos o segundo, o minuto, a hora, o dia, o mês, o ano; daí décadas, séculos e então, eras… Mas é ele quem nos determina e nos transforma. Passamos! Ele continua… 

Ao tentarmos dominá-lo o datamos como se pudéssemos, como gado, marcá-lo para que nosso seja. Não o é e nunca será, tampouco. Pois, indomável!

Em verdade é ele que nos marca em nossas peles enrugadas, e até mesmo na palidez do fenecimento, ou na foto descolorida de um passado remoto.

Então não é possível enganá-lo, o tiro sairá pela culatra, basta darmos uma espiada no espelho; o tempo nos impregna,  encarna como um espírito outro que não nós e, então, por vezes, não mais nos reconhecemos. Simplesmente acordamos e ele já está em nosso quarto, grudado a nós, espreitando nossos sonhos. 

Sábio, enquanto ele não chega nos ilude trazendo a esperança do futuro que ainda nem inventou…   Do qual nem sabemos. Ao chegar apresenta-nos à realidade do agora. E quando se vai nos condena à memórias e saudades do que e de quem já não mais são. Em verdade, ele não vai. Nós vamos… 

O tempo vive e conosco não morre; perpassa nossas vidas – impondo-se – tão somente.

Eterno segue sem limitações em si; a nós apenas limita. 

Rosca sem fim vem, fica, parecendo parar, o quanto quer,  e se vai sem ir; não pede licença. 

Ele não só é, ou já “foi”, está porvir. Incerto e sempre, mas porvir… Multifacetado, dissimulado, sorrateiro…

Não há como de volta trazê-lo ou antecipá-lo; senão vivê-lo no agora, único e singular momento que nos oferta; como a nos dar uma colher-de-chá, talvez para nos criar a falsa sensação daquele domínio que, por ele, queremos ter, aliviando a sensação de que escapa-nos por entre os dedos, sem que possamos atrasá-lo ou diminuir seu ímpeto. 

Nessa leitura efêmera do agora, o tempo em escrevê-la já não é…

Então, resta-nos com ele flertarmos e tratá-lo bem, sugerindo que nos empreste, pelo menos, ainda, um pouco do amanhã…

Alexandre

16/06/2020

Um humanista um pouco bravo.

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