Crônica

Hoje tenho medo!

Fui moleque valente. Hoje, homem covarde.

Mas é aquela covardia boa… de quem quer apenas viver; deixar a razão sem importância de lado e buscar a leveza do ser feliz; como quem sente aquela brisa suave e mansa acariciando o rosto não mais menino. 

O caminhar me ensinou que quando não é fraqueza de caráter a cobardice é meritória. 

Hoje tenho medo! 

Não ouso mais coragem infantil, beligerância probatória. A testosterona não há mais em excesso; o tanto que hoje a tenho faço melhor uso e me delicio mais…

Uma querida amiga enviou-me, dia desse, um texto de Adélia Prado, belíssimo, em que dizia que “a criança ignora o quanto a infância é impregnada de eternidade”. Não parei  de pensar nessa linda verdade desde então. Creio seja esse o motivo que tenho tentado arrefecer o motor de minha alma, mantendo a temperatura adequada da razão compassiva. Minha eternidade está chegando ao fim. Adulto não tenho mais o tempo eterno do qual a criança ignorava. 

O ciclo nos ajuda a achar “a trilha menos percorrida”.*: descobri que o medo que ignoro é o de ter medo. 

Hoje tenho medo! 

Não se trata de desbrio paralisante que depressivo nos tira o encantamento da vida. Não! É o acovardamento heróico, salva-vida. Aquele que o traz de volta da guerra sem medalhas, mas, também,  sem bandeira encampando o  caixão vestindo um valente que não mais existe.. 

Hoje tenho medo!

Medo relevante, porém: perder meu amor, um filho, ou um amigo caro, os meus. A ideia do meu desaparecimento me dá medo, porque não mais estarei com todos que amo. 

Hoje tenho medo!

Medo bom; de quem está vivo e que não tem medo de viver. Aqui está  uma óbvia, mas nem sempre bem percebida diferença: não ter medo da vida.

A droga para combater as síndromes de pânico, depressão e tantos males outros de nossas mentes, deveria ser o não temer a vida. E a morte? Bem, a morte que se exploda. Dela não posso temer se me esmero para viver. Quanto mais vivo menos morro. Quero dizer que quanto mais me importo com a vida mais cuidado tenho com ela, afastando minha vulnerabilidade. A vida bem cuidada é armadura à morte. 

Hoje tenho medo!

(*) Scott Peck – A trilha menos percorrida: são as escolhas que deveríamos fazer, mas acabamos por escolher o caminho mais difícil, mais comumente trilhado pela maioria. 

Alexandre

19/06/2020

Um humanista um pouco bravo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *