A sentença
Na década de 50, como já contei, eu fazia parte da turma de rapazes do Bairro de Lourdes, mais conhecida como Turma do Bodão. Nos reuníamos, todas as noites, invariavelmente no bar do Bodão. Uns chegavam mais cedo, outros por volta das 22:00 hs, após se despedirem das namoradas. Mas o fato é que ninguém queria perder esses encontros porque, além da camaradagem, era ali que se combinavam as tretas que iríamos fazer. Mas antes do “causo” de hoje, vou falar um pouco sobre o Bodão. Alto, magro, nariz enorme, nenhum dente na boca, assim era ele. Sempre de bom humor, não tinha nenhum complexo para o constante sorriso largo, no…
Malandro Cocô
Minha turma de juventude no bairro era o que o Seu Afonso um dia chamou de “do cú riscado”! De fato, a gente aprontava. No nosso manual só não existia desrespeito aos idosos e discriminação. Fora encontros casuais, a gente se reunia, invariavelmente à noite, no Bar do Bodão, personagem folclórico, que um dia lançamos como candidato à Presidência da República e cujos “comícios” atraíam multidões e se tornaram notícias de jornais. Dia desses, vou contar alguns “causos” relacionados, mas hoje vou falar sobre o Luiz Otávio. Ele era uns 5 ou 6 anos mais novo do que a média de idade da Turma do Bodão, como éramos conhecidos, mas insistia…
Reflexões vadias
Outubro. Baixa estação. Hotel 4 estrelas, em franca decadência e aqui estou eu, em Natal/RN! Um dia de não fazer nada, porque um magistrado resolveu nada fazer! À beira da piscina, há mais de uma hora, entre um gole e outro de cerveja, que chegou geladinha- e que logo esquentou, por causa desse calor sufocante-, começo a observar melhor pessoas e coisas. Especialmente, pessoas. É a terceira vez que aquele gordinho passa perto das duas coroas que estão tomando sol nas espreguiçadeiras, com latinha de cerveja na mão, óculos escuros (pelo jeito, de grife), tentando disfarçar a barriga saliente. É uma abordagem! Fracasso, nas duas intenções! Lembrei-me de que, até…
O pato morreu!
Hoje vou contar mais um “causo”. Esse, acontecido em família. Minha mãe, já septuagenária, estava deliberadamente quase surda. Para que ela entendesse, a gente tinha de falar bem alto e ela tinha de ver o movimento labial. Escutar no telefone, então, para ela era um suplício. Pois bem, na véspera daquele dia ela tinha ido visitar a Ica, sua vizinha de fundos. A Ica, contristada, falou para minha mãe que tinha um pato de estimação e que ele estava muito doente. Até a levou para ver o dito pato. No dia seguinte, bem cedo, toca o telefone lá em casa. Minha mãe atendeu. Era a Ica no outro lado da linha. Pesarosa,…
Bingo
Liiiinhaaa!! O grito saiu desafinado, esganiçado, como era de se esperar de um garganta com mais de meia vida. E pior, fora de hora. A linha já havia sido premiada há muito tempo e a rodada prosseguira para a premiação de cartela cheia. Do bingo. Murmúrios, risinhos, gozeira geral. Em tom contemporizador o locutor minimizou o equívoco e prosseguiu com o sorteio. Olhei para o frustrado “ganhador” e o reconheci de imediato. Era habitué do bingo. Na sexta-feira passada ele estava naquela mesma mesa, com duas balzaquianas, que, pelo jeito, conheceu lá mesmo, naquela noite. Como daquela feita, desta ele estava muito bem vestido, cabelos aparados, valorizando o grisalho apenas…
Filho do Bigode
O Lourdes, em Belo Horizonte, pelo meio dos anos oitenta, era um bairro essencialmente residencial. Ainda existiam ali, antes das grandes construtoras entrarem e verticalizarem tudo, muitos casarões antigos, que abrigavam famílias que se conheciam pelo nome, nas suas ruas sombreadas por árvores frondosas, onde se viam rodas de idosos sentados nas calçadas a ler o jornal, ou disputando jogos de dama, meninos descendo as ladeiras em seus carrinhos de rolimã, senhoras com meninos de colo fofocando na rua, o que transformava o bairro, quase na virada do século vinte, meio que em uma cidade do interior, encravada dentro de uma capital. Esse era o clima! E lá vivia o…
Reais!
Em Curitiba, 24 de maio. Ano do Senhor de 1999. Há mais de 5 anos que não vinha nesta cidade. Muitas novidades: Rua 24 Horas, já imaginaram que legal? Tudo funcionando, ininterruptamente: lanchonetes, bares, farmácias, floras, lojas de discos, tudo enfim. E aquele movimento incessante de pessoas de todas idades. 21:00 hs, refestelo-me na cadeira confortável, para curtir aquelas duas horas de que dispunha, para lazer, antes de me recolher para o sono reparador. Nuuu, como desceu bem aquele primeiro copo de chopp, super gelado! Observo o povo, nem bonito e nem feio, bem vestido e agasalhado, maçãs de rosto coradas. Bem nutrido! E me lembro do nordeste, com seus…
No Show
Perdi o vôo. Cheguei até bem cedo no aeroporto, mas me distraí com um bendito telefonema que resolvi dar para a VASP, a fim de reclamar uma passagem- bônus a que tinha direito e que tardava a me chegar às mãos. Engraçado é que nem precisava dela! Não tinha planos, a curto prazo, de uma viagem de lazer para aproveitá- la. Já passei muitas horas em aeroportos aguardando as famigeradas conexões, mas nunca me senti tão desenxabido, tão desconfortável. Afinal, mineiro não perde o trem. Nem bonde. Quanto mais avião! Em certo momento,tive a sensação de que todos me olhavam contristados, porque se apercebiam da minha frustração. O quê fazer? Putz,…
Bêra
Veio do interior de Pernambuco. Pelo que se sabe, de um lugarejo qualquer, perdido no mapa, onde todos viviam da cana. Ou melhor, do plantio e da colheita dela, logicamente a serviço dos “ senhores” dos engenhos. Seu nome: Beraldo Cândido da Silva. Com muito esforço, concluiu o curso primário numa escola rural, o que lhe dava muito destaque naquela comunidade pobre e simples. Um belo dia, cansado do trabalho duro, da quase miséria, juntou alguns trocados e resolveu tentar a vida em São Paulo. Desde a partida, acompanhou-o uma tal de hérnia do disco (como diagnosticou um médico em Recife, onde chegou morrendo de dor) e que já lhe…
A Frase Fatídica
Estou chegando para contar um “causo” real e bem pitoresco: Em fins da década de 60, eu trabalhava na Secretaria das Finanças, hoje Secretaria de Estado da Fazenda, quando foi nomeado um novo Secretário. Assumiu, com pompas e circunstâncias e logo mandou que se colocassem em todos departamentos quadros com uma frase de sua criação, a saber: “Não basta despachar o papel, é preciso resolver o negócio”, seguindo rebuscada assinatura dele. Pois bem, não demorou para que um gaiato pichasse, em letras garrafais, na parede da privada: “Não basta resolver o negócio. É preciso passar o papel” !!! Sem demora, foram retiradas e sumiram os quadros afixados nos departamentos. No…