Escrevi porque o quis!
Restava pouco tempo de vôo. Certa turbulência e pensamentos. Pensei o que dizer para mim mesmo, pois, que de súbito, desejei escrever. Li certa vez que Graciliano Ramos havia dito que escrevia porque era forçado a fazê-lo. Como questionar escritor de tal monta? Mas não creio! Escrevemos para dizer algo ao mundo, talvez na esperança de explicá-lo a nós mesmos – quem escreve. Arrisco dizer que escrever é refletir, no papel, os tormentos e aconchegos da alma. Ainda que haja convicção no assunto é no papel que depuramos com mais exatidão o que está lá em nosso âmago. Assim percorremos os caminhos do nosso conhecimento e desconhecimento, do nosso ser…
Equação de alto grau.
Um lapso de nostalgia e a lembrança de um amigo. Como um terrorista o telefone insulta-me à uma ligação. Explode um número conhecido e pego o aparelho. Inevitável: talvez não seria o número ideal. É um amigo, mas… Fantasmas: há tempos não nos falávamos e, a última vez, eu o procurara. Pequenez? Talvez. Arrogância do cotidiano, cuja trégua é o isolamento. Frustração. Outros dígitos a memória vasculha em seus infinitos mistérios. Outro amigo; outro fantasma. Deixa pra lá; poderia convidá-lo para uma cerveja; jogar conversa fora. Ruminaria minhas expectativas, ouviria as dele. Fortaleceríamos as metáforas e redundâncias, não importa. Veríamos-nos novamente; capricho não há numa amizade; não deveria haver, pois…
Epiceno: um substantivo difícil.
O gavião-macho, sem papas na língua, com aquele seu bico adunco, advertiu-me que não aceitaria ser chamado só de gavião: tinha que ter o macho! De tanto que insistiu virou um pinhé Gavião homofóbico esse; isso sim: pensei com os meus botões. Atônito hesitei em acreditar na ousadia do bicho; afinal, enfrentou-me como ninguém. Deixa estar: há de ter uma lição: encontrará um chimpanzé gay, a dividir um galho, que não aceitará esse preconceito e destroncará seu pescoço. Morrerá feito galinha nas mãos de uma cozinheira a moda antiga. O jacaré, de boca aberta a espreitar-me, resolveu entrar na conversa: perguntou-me o porquê da minha indignação com o bicho voador.…
Nós humanos amamos pra cachorro!
Chega a ser divertido e até engraçado a maneira com que as pessoas se apegam aos bichos de estimação. Talvez “estimação” já explique o que quero dizer. Mas é incrível o quanto esse sentimento extrapola quando se trata desses pets. – “Aqui, coloca a ração pros vira-latas perto do filtro; mas coloca à tarde, porque se colocar de manhã pode estragar e fazer mal pra eles; eles vão comer de qualquer jeito; eles comem tudo; podem passar mal; ah…eles percebem, né? – Perguntei pra laica hoje de manhã: o que foi laica? Ela me olhou com os olhinhos tristes e o rabo meio pra baixo, amoadinha… Ficou triste. – Aqui,…
Apenas um sonho…
A campainha acusava o telefone. Solitariamente, em meio ao quarto, acabrunhado encontrava-me. Relutei em atender ao chamado. Cinco e quinze da manhã; o cansaço perdera para a insônia. Outro toque: corri. Uma voz distante sussurra um endereço. Um frio superficial toma conta do meu corpo. Indaguei aquela voz estranha. O silêncio no aparelho espargiu no ar. Imediatamente armei-me com um calibre trinta e oito. Um conhaque coloquei goela abaixo. Já no portão olhei para todos os lados: o alvorecer, outra coisa não vi. Na praça mencionada um busto eminente acusava o lugar marcado. Aproximei-me e percebi um manuscrito. Abri: a caligrafia não combinava com a situação enigmática e de pavor…
Anastássios Hristos Kambourakis
“Lelê: você está vendo tudo isso? Olhe até onde sua visão não puder mais enxergar: tá vendo aquela montanha? aquela cerca lá no final, perto da linha do horizonte? Tudo isso pertence aos meus filhos. Portanto, pertence a você também!” Essas palavras foram, para mim, a mais perfeita maneira de dizer “eu te amo” que já ouvi em minha vida e dirigidas a mim. Manhã linda de sol, num sábado de verão, estávamos em Amparo. Com frequência, aos sábados, eu e Anastássios, partíamos em direção ao sítio de sua família. Éramos eu e ele apenas e, sinceramente, não precisava de mais nada nem ninguém. Íamos contando causos como dois velhos…
A Palavra…
Como definir a palavra? Fascinante e enigmática é o que vem de bate-pronto. A voo de pássaro, como diria Ayres Brito quando disfarçado de poeta, responda: qual o significado da palavra epiceno? Não vale dar uma espiadela no Google. Seja honesto! Pronuncie o exemplo que dei há pouco: espiadela. Soletre: es-pi-a-de-la. Não é belamente sonora? Sensual, até? Parece traduzir uma certa proibição; um algo inofensivamente errado… chega mesmo a nos dar a impressão de ser um ente vivo. E, a rigor, é, pois que o vocábulo tem vida própria. A palavra é algo incrivelmente encantadora. Não importa se bonita, feia, sonora, fácil, difícil, incomum ou não. A palavra é como…
A máquina de escrever
Inauguro minha máquina de escrever. Para um romântico, como eu, começo mal. Meio sem graça e pouco criativo, começo. Há de se aquecer o cérebro. Fico um pouco decepcionado: apesar dos recursos que a máquina possui é um tanto barulhenta – elétrica. Escrevo acariciado pelo som de Neil Diamond – Live in America. Indescritível: como o encontro das águas. Deve-se ver; no caso de Diamond: deve-se ouvir. Ouço, agora, Play me. Divirto-me sozinho… Eu e minha metralhadora, sofisticada, continuamos. Ela às minhas ordens. Mas… nada escrevo que se aproveite: apenas registro minha inauguração e penso na vida. Lembro das Marias e das Marias que não as conheci. Lapso de romântico?…
A caneta
Interessante! Talvez curioso. Meu destino é São Luiz do Maranhão. Estou na primeira escala do vôo: Brasília. O comissário anuncia uma hora de espera. Minha ansiedade responde com uma escapada para fora da aeronave; são 21h30m. Passeio pelo saguão do aeroporto e não vejo, senão, o de sempre: pessoas, lojas, vitrines e preços. Livraria minha predileta. Uma carinhosa lembrança convida-me a uma lembrança da cidade como presente. Nada me comove e, então, nada compro. São Luiz deverá ser mais entusiástica. Pares de óculos trocam-me olhares… mas já os tive aos montes e hoje os tenho, dois. No bolso, a Bic sem tampa insiste em riscar minha camisa. Hum… Sinto uma…
A arte e o prazer de escrever
Tiro cor da palavra velho, que carrega certa pecha por indicar a ideia de decadência e vulnerabilidade, dizendo que estou distante da minha tenra idade… Um disfarce poético de um apaixonado pela boa escrita que empresta de Pedro Nava – contemporâneo do nosso maior poeta, Drumond – a sentença que dizia: “acaricie uma frase e ela sorrirá pra você”. Truques de quem aprecia um texto, mais do que correto, harmonioso, criativo, que faz da alma a folha de papel que acomoda as palavras como uma barriga de aluguel que gesta um texto sedutor. Embora creio, Nava, talvez, nunca usasse o termo “pra” e sim “para” (acredito que o lapso é…